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terça-feira, 18 de maio de 2010

Penso às vezes

Publicada por bulgari

Loredana Guidicelli


Penso às vezes que chegou a hora de estar calado.
Pôr de lado as palavras, as pobres palavras usadas
até ao fio,vexadas uma e outra vez até perderem
o mais leve sinal da sua intenção primitiva
de nomear as coisas, os seres, as paisagens, os rios
e as efémeras paixões dos homens
montados em seus corcéis que a vaidade aparelhou
antes de receber a curta, a irrebatível lição da tumba.
Sempre os mesmos, gastando as palavras
até não poder, sequer, orar com elas, nem exibir os desejos
na parca extensão dos sonhos, seus mendicantes sonhos,
mais propícios à piedade e ao olvido
que ao vão estertor da memória. As palavras, enfim, caindo
ao poço sem fundo onde vão buscá-las os enfatuados tribunos
ávidos de um poder feito de sombra e desventura.
Imerso no silêncio, mergulhado em suas águas tranquilas
de levada que detém o seu curso e se entrega ao imóvel
sossego das lianas, ao imperceptível palpitar das raízes;
no silêncio, como disse Rimbaud, há-de morar o poema,
o único possível já, lavrado nos abismos onde tudo o que é nomeado
perdeu há muito tempo a menor ocasião de subsistir,
de instaurar sua estéril mentira tecida na trama rala das palavras
que giram sem descanso no vazio onde se perdem
as néscias tarefas dos homens.
Penso às vezes que chegou a hora de estar calado,
mas o silêncio seria então um prémio desmedido,
uma graça inefável que eu não creio ter ainda alcançado.


Álvaro Mutis


...e eu nâo poderia mandar ninguém para um sitío que eu cá sei!!!

1 comentários:

Camolas disse...

Shiu!!! brindemos aos silêncios!!!